Falta de ensino em duas rodas
Matéria de Veja São Paulo desta semana chama atenção para o trabalho dos bombeiros e conta que atualmente a maioria dos atendimentos é para acidentes de trânsito. Desses, mais de 80% envolve motociclistas.
São Paulo não existe sem os motoboys. Quem trabalha com documentos e com provas de materiais gráficos sabe muito bem disso. E estes são apenas dois exemplos entre muitos.
É muito simplista utilizar o velho argumento de que motoboys são irresponsáveis e que fazem loucuras o tempo todo. Mas alguém já parou para pensar na formação dessas pessoas? Não estou aqui falando de educação escolar formal. Quanto a isso, a discussão é outra e muito mais profunda. Falo é de ensinar a pilotar uma motocicleta.
No final de 2008 entrou em vigor uma nova diretriz do Conselho Nacional de Trânsito, aumentando o número de horas/aula para se conseguir tirar habilitação, seja de carros ou motos. Foi suficiente? Não. Nem de longe.
Recentemente, por conta de novos compromissos profissionais, precisei de um novo veículo. Depois de observar e comparar diversas alternativas, decidi que a melhor opção era uma scooter.
Para quem não sabe, scooter são as versões modernas das lambretas, como a clássica Vespa. São motos menores (na maioria dos casos) e que tem, como principal característica possuir câmbio automático.
Apesar de mais simples para guiar, scooters são motos e, portanto, necessitam de habilitação específica. Escolhi a scooter e não um modelo normal de moto justamente para me diferenciar do mar de motoboys da cidade e, assim, conseguir um pouquinho mais de respeito dos motoristas de carros, ônibus e caminhões.
Dando início ao processo, fui até uma auto-moto escola e me matriculei. Como já tinha habilitação de carro, fiz o que eles chamam de adição de categoria. O que me exigiu apenas a tal prova de conhecimentos de primeiros-socorros, mecânica básica e direção defensiva. Não precisei fazer nenhuma outra aula.
O problema começa na parte prática. O início tudo bem. O instrutor chega, prende o acelerador para que você não faça nenhuma bobagem, diz como engatar a marcha e vamos lá. Há um traçado padrão a ser feito: um oito, um labirinto e contornar alguns cones.
Dentro da minha imensa ignorância e ingenuidade, acreditei que depois dessa fase – a qual seria destinada ao meu ganho de equilíbrio – passaria às ruas, fazendo percursos, como nos carros.
Ledo engano. As aulas e o exame ficam SÓ nisso. 20 aulas em um espaço confinado, sem carros ao lado, sem caminhões. Vez ou outra uma moto de algum aluno que também está ali perdido.
Ou seja, para se ter habilitação de motocicleta no Brasil você não precisa nem mesmo saber como engatar a segunda marcha. Anda só em primeira e ponto final! Imagina então pegar corredores movimentados da metrópole paulistana. Ninguém passa nem perto de te ensinar isso.
Questionei se não seria necessário um treinamento melhor para meu instrutor. Aí fiquei ainda mais surpreso: ele me conta que é proibido o uso de motocicletas de ensino no tráfego da cidade.
Como então um cidadão deve aprender a andar de moto? Ora, exatamente como eu fiz. Andando. Pegando a moto e saindo por aí, aprendendo na prática.
Se é assim, não é de se admirar que os bombeiros tenham tanto trabalho com motociclistas. Eles não aprendem a, realmente, andar de moto. Ainda mais um cara que usa a moto para trabalhar, recebendo por entrega, o que significa que quanto mais, maior o pagamento.
Essa mesma pessoa sai de casa sem comer direito, muitas vezes quando o sol ainda nem nasceu e volta quando a lua já está alta. Debaixo de chuva e no frio (porque o que faz de frio em moto não é brincadeira...). Isso significa ainda menos atenção de alguém que nem tem tanto conhecimento assim sobre pilotar uma moto.
A história a ser contada é essa. Mas para isso ninguém olha. Da próxima vez que você ver um motoboy sendo socorrido depois de um acidente, lembre-se: ele tem habilitação. Só não sabe realmente como dirigir e ninguém cobrou, ou sequer ensinou, isso a ele.
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