quarta-feira, fevereiro 18, 2004

Executando potenciais

“O Sorriso de Mona Lisa” (Mona Lisa Smile) é um filme tocante. Bonito como há muito não se via num cinema cravejado por comédias toscas ou “blockbusters” vazios. O filme conta a história de uma professora (vivida magistralmente por Julia Roberts) que é contratada para dar aulas em uma tradicionalíssima faculdade só para moças no meio-oeste norte-americano.

O que a professora Katherine Watson (de História da Arte) não esperava era encontrar um cursinho pré-nupcial, como o que viu. O embate entre as idéias ditas “progressivas” e “subversivas” da docente vivida por Roberts e suas alunas reacionárias é o motor de toda a película.

É preciso ressaltar que a produção de arte e os figurinos são caprichadíssimos, fazendo uma ambientação espetacular de época. Consegue passar toda empolgação muitas vezes fingida do pós-guerra, na Golden Age do império norte-americano.

Neste ponto entra uma das melhores sacadas do filme. É quase que de praxe retratar o início da década de 1950 como um período mágico da cultura dos Estados Unidos, em que floresciam o rock e os rapazes percorriam felizes as ruas em seus cadillacs e motocicletas. “O Sorriso de mona Lisa”, porém, consegue ir além dessa capa protetora e mostra o quanto a sociedade daquele tempo foi afetada pelos dramas vistos pelos soldados na II Guerra Mundial. Mesmo que a batalha não tenha acontecido em seu quintal, a vida nunca mais foi a mesma depois do conflito – as pessoas olhavam a vida sob outra perspectiva e as sementes de toda revolução ocorrida na década seguinte estavam sendo plantadas muito firmemente.

Há também a relação entre professores e alunos, que não é o foco principal, mas que é transposta para a tela de maneira singela, demonstrando claramente que numa relação de ensino, mestres e aprendizes não estão (ou pelo menos não deveriam estar) em lados opostos, mas sim caminhando e aprendendo o tempo todo juntos.

Além de Roberts e seu sorriso matador, as atuações de Julia Stiles (de “A Identidade Bourne” e “No Compasso do Amor”) e Kirsten Dunst (A MJ de “Homem-Aranha”) chamam atenção pela força na interpretação.

Mais do que um simples retrato de época, “O Sorriso de Mona Lisa” levanta questões relevantes ainda hoje, como a pré-determinação de funções entre homens e mulheres. É extremamente comum pessoas de ambos os sexos demonstrarem toda a sua falta de tato e consciência ao dizerem frases do tipo: “Isso é coisa de mulher” ou “Esse é um trabalho de homem”.

Se existe algo que a revolução tecnológica dos últimos 50 anos trouxe foi a igualdade de condições frente ao trabalho. Poucas funções ainda hoje necessitam de força física muito maior, por exemplo. E mesmo nessas, a mulher demonstra que tem totais condições para exercê-las com a mesma qualidade, ou até superior, que seus pares do sexo oposto.
Não existe nada mais arcaico do que separar homens e mulheres, seja em que função for.

É obvio que diferenças existem e sempre irão existir, porém é preciso que se olhe pelo outro lado da questão – que mostra que cada indivíduo (independente do sexo) possui aptidões para determinada função. O que vai determinar o melhor caminho para sua vida é um conjunto de fatores, que vai desde a forma como foi criado, passando por educação e demais experiências. Além é claro do sexo. E não só por causa dele.

Há ainda uma questão maior em “O Sorriso de Mona Lisa”: aquela que dá conta do potencial não-explorado de muita gente. A professora Watson se revolta ao ver que suas alunas mais brilhantes terão seus talentos desperdiçados esquentando a barriga no fogão e correndo atrás de um bando de filhos catarrentos. Não que ter uma família seja algo necessariamente ruim. A questão é que, desde aquela época, é muito possível conciliar carreira e família.

Ainda hoje, cinqüenta anos depois do momento retratado no filme, muitos desperdiçam suas vidas por acharem que devem seguir um caminho pré-definido por sua família ou até mesmo por si próprio e, dessa forma, acabam por deixar passar sem viver plenamente sua juventude. O resultado disso é claro: as pessoas têm crises de estresse cada vez mais cedo, os casamentos duram cada vez menos e o que mais se vê andando pela cidade são pessoas carrancudas e de mal com o mundo.

Não há outra razão para isso acontecer que não o medo que muitos possuem de perseguir os próprios sonhos, as verdades em que acreditam. Em buscar sempre o que há de melhor lá fora de seu mundinho. Em querer sempre mais.

Procurar e construir seu próprio caminho, independente das pressões familiares e sociais, de fato não é fácil. Mas indubitavelmente traz resultados muito melhores.

Portanto, quem está precisando de um “empurrãozinho” para sair da lama na vida, não deve perder “O Sorriso de Mona Lisa”. Para tentar enxergar o que está além do que pode ser visto e se libertar das piores amarras que se pode ter: as que sua própria mente lhe impõe.


segunda-feira, fevereiro 16, 2004