quarta-feira, maio 04, 2011

Um novo tempo

A seguir, apresento uma resenha do filme "Thor", feita sob novas premissas. Diferente do que fiz ao longo desses vários anos de existência deste blog, essa resenha contem elementos diferentes, mais analíticos e menos opinativos, do que muitas vezes fiz com outros filmes, revistas em quadrinhos, CDs, entre outras produções artísticas.

Faz parte do processo da minha pesquisa acadêmica, em andamento no programa de pós-graduação do TIDD da PUC-SP, na qual estudo as relações entre as Histórias em Quadrinhos de Super-Heróis e seu potencial como base de franquias transmídias.

Em breve (se tudo continuar no ritmo correto), devo criar um site específico para as questões acadêmicas e este e outros trabalhos migrarão para lá. Enquanto isso, continuarei utilizando este espaço.

Segue então minha visão sobre a chegada do Deus do Trovão à telona. Agradecimentos prévios ao velho amigo M. Cury por vários insights.

-----

Um deus de carne e osso

Demonstrando todo seu poderio criativo, a Marvel Studios apresenta ao cinema – e por consequência ao público geral, fora da comunidade de fãs – o personagem que, teoricamente, seria o mais difícil de fazer essa transição transmidiática: Thor, o Deus do Trovão.

Quais os motivos dessa dificuldade? Bem, Thor é um personagem ou, melhor dizendo, um mito (daqueles antigos, clássicos) nórdico. Que é retomado na década de 60 pelo mago dos quadrinhos Stan Lee para ser o Superman da Marvel. Mas o velho e bom Lee não é bobo e nem nada e o faz loiro, cabelos compridos ao vento, com um estilo de fala que soa estranha aos ouvidos da maioria. Ou seja, Thor não é nada mais nada menos do que um hippie (Estamos na década de 60, não se esqueça).

Superman hippie. Nada menos do que genial. Porque Superman pode ser qualquer coisa, mas nunca vai ser hippie. Nem liberal, em qualquer sentido. Mas enfim, voltemos ao tema nórdico. O ponto crucial na transposição de Thor ao cinema está no fato de que sim, ele é um deus. Como explicar isso para o pessoal puritano dos States? Ainda mais agora que a Marvel é da Disney... xiii... vai complicar.

Mas o filme dirigido por Kenneth Branagh resolve isso rapidamente, colocando Thor, Odin, Loki e todos mais como seres de outra dimensão, adorados pelo povo primitivo do passado dos países nórdicos como deuses. Dito isso, caminho aberto para seguir em frente e contar uma ótima história.

Atuações ótimas

"Thor" teve um budget que pode ser considerado médio, US$ 150 milhões. Comparando, o primeiro "Homem de Ferro" – que abriu as portas das telas grandes para a Marvel – custou R$ 140 milhões. Já o segundo "Homem de Ferro" teve orçamento de US$ 200 milhões. Qual o impacto desses números? Bem, em "Thor" o resultado está em efeitos especiais apenas razoáveis.

Fica bem evidente que o dinheiro foi focado nos atores. Anthony Hopkins faz Odin, deus supremo da mitológica Asgard. Natalie Portman faz a mocinha da fita, a Dra. Jane Foster (aliás, cabe aqui uma ressalva interessante. Nos gibis, Jane Foster era uma prosaica enfermeira. Aqui, foi alçada a Doutora em Astrofísica. Sinal dos tempos). O ótimo ator inglês Tom Hiddleston surpreende como Loki e sobra espaço até para a bela veterana Rene Russo, como a rainha e esposa de Odin, Frigga. O interessante é que o papel-título ficou com o jovem e relativamente desconhecido australiano Chris Hemsworth, que oferece a medida certa ao papel.

Todos os atores se encaixam bem aos personagens, destaque evidente para Hopkins, que dá o peso necessário ao All-Father Odin, mas sem, no entanto, ofuscar os demais atores e nem sobressair sobre o protagonista.

Desse mal se aproxima Tom Hiddleston com seu nefasto Loki, interpretado com interessante capacidade. Seus olhares e expressão corporal personificam o Deus da Trapaça em toda sua glória maligna e, quando em cena ao lado do Thor interpretado por Hemsworth, chegam a eclipsá-lo.

Porém, um olhar mais delicado sobre o filme demonstra uma intenção do diretor nisso. Thor representa a força da juventude, o poder imenso sem inteligência e tomado pela ingenuidade típica daqueles que não viveram ainda o suficiente para identificarem o que está além do que pode ser visto. Ele é um rei em formação, um processo em andamento, uma pedra sem lapidação.

Já Loki representa o cinismo e o conhecimento distorcido, a inteligência e a sagacidade aplicadas de maneira egoísta e mesquinha. Aqui não há ingenuidade, apenas a esperteza comum aos golpistas e um amadurecimento precoce, advindo da necessidade de subverter a ordem estabelecida.

Nesse sentido, a escolha dos atores acaba sendo ainda mais acertada. Hemsworth transparece essa vitalidade de jogador de futebol americano, enquanto Middleston se encaixa mais no perfil de frio e calculista jogador de pôquer.

Roteiro simples, mas bem amarrado

A premissa de "Thor" é bastante simples. O jovem e arrogante príncipe de Asgard, Thor, iludido por seu irmão invejoso, Loki, toma decisões erradas que complicam a vida de todo o reino. Seu pai, Odin, para ensinar um pouco de humildade ao futuro rei, tira seus poderes e o manda para Midgard, ou a popular Terra, como a chamamos. Aqui ele conhece a bela Jane e descobre o valor de se doar pelas pessoas.

Bem, as nuances shakespereanas não estão aí por acaso (pai, irmão traidor, etc.), senão a direção não seria de Branagh. O tom épico, grandiloquente, fez por outra dá as caras, mas isso ocorre de maneira natural, o que admira, pois a possibilidade de virar uma coleção de canastrices era enorme. Ponto para a escolha acertada dos atores.

A simplicidade do roteiro é um bom caminho para apresentar Thor à massa. Fugiu-se assim de tentar encaixar alguma aventura das HQs na película e foi possível alcançar um dos grandes méritos do filme: o de gerar empatia no público, por meio da humanização dos personagens.

Nos quadrinhos, as melhores aventuras de Thor sempre envolvem outros deuses, passeios pelos reinos dominados por Hela ou Surtur (equivalentes a algum tipo de inferno) e combates de grandeza extrema – que são totalmente plausíveis nas HQs, mas cuja transposição de forma mais completa para o cinema exigiria tempo, dinheiro e roteiro que não se enquadram no meio.

Para a comunidade de fãs, fica o prazer de ver retratado de forma bastante fiel os Warriors Three (Hogun, Fandral e Volstagg), Heimdall e Lady Sif, apesar de o comportamento politicamente correto dominante em Hollywood ter transformado Hogun em oriental e Heimdall em negro. Pois, lembremos, eles eram mitos nórdicos... todo mundo era loiro de olho azul ali. São detalhes que costumam incomodar os fãs, mas a estrutura da narrativa foi tão cuidadosa, que não soou como desrespeito ou descaso – o que mais incomoda aos aficionados.

No geral, "Thor" pode ser considerada uma boa adaptação de quadrinhos. Não é ótima como o primeiro "Homem de Ferro" e nem espetacular como os dois "Batman" recentes. Mas é bastante precisa, honesta tanto com o público geral quanto com os fãs, e se integra de uma forma natural e nem um pouco forçada com o universo criado pela Marvel no cinema.

Mesmo com os efeitos especiais um tanto quanto simples, "Thor" é uma daquelas aventuras divertidas e que agradam todas as idades, como todo bom blockbuster deve ser. E, mais ainda, como deve ser um filme vindo dos quadrinhos de super-heróis (esses mitos modernos). Maniqueísmo, grandiosidade, ensinamentos morais, amor (claro que esse elemento também estaria presente) e uma dose de humor. Tudo misturado e embrulhado num belo pacote de ação, capas, espadas e, claro, martelo.


Um comentário:

Casinha dos Contos disse...

Wagninho já assistiu. Vou passar esse post para ele. Muito bem escrito, pra variar. Beijo cheio de orgulho desse meu compadre.