Cena de Earth 2 #2, com a
confirmação da orientação sexual
do Lanterna Verde
Nesta sexta-feira, 1 de junho, a DC Comics anunciou que, após a reformulação do seu universo ficcional ocorrida há quase um ano, o Lanterna Verde original (personagem criado na década de 1940) é gay.
Como não poderia deixar de ser, a mídia não-segmentada, não-especializada, pegou fogo. A simples menção das expressões "Lanterna Verde" e "gay" na mesma frase fez quem não conhece o assunto ficar de orelha em pé, afinal, há não muito tempo, um filme desse personagem (veja resenha aqui) com o galã Ryan Reynolds no papel principal estava estampando cartazes nas portas dos cinemas, copos de refrigerantes em lanchonetes fast food e brinquedos em geral. Natural, então, que a massa se ourice com a novidade.
Todo o processo de "saída do armário" de Alan Scott (a identidade secreta desse Lanterna) é uma grande - e não tão bem armada - jogada de marketing. Mas não que isso não possua um lado positivo.
A parte da ação de marketing falha é que o gay da história apenas compartilha do nome do Lanterna Verde, aquele do filme. Mas é um personagem completamente diferente. Que inclusive vive em outra Terra, a "Terra 2" (esse mundo dos gibis às vezes é complexo...).
Não passa, portanto, de uma grande sacanagem dizer para todos que o "Lanterna Verde" agora é gay, pois induz o público ao erro. Ou seja, todos vão pensar que é o mesmo personagem interpretado por Ryan Reynolds.
Por outro lado, ao fazer um personagem clássico (ainda que revisto, recriado) se colocar como um homem adulto, bem sucedido, poderoso e gay, é algo que representa muito. Demonstra, em primeiro lugar, que é impossível (mesmo que as forças conservadoras queiram) negar a realidade dos direitos dos homossexuais, suas conquistas e sua força. E, muito mais importante do que isso, diz - de maneira direta - para um imenso contingente de jovens espectadores gays que sua orientação sexual é absolutamente normal e parte da vida. Não gosto e nem acredito em entretenimento que prega, que se diz educativo. Não penso que essa é a função do entretenimento (que é, óbvio, entreter). Contudo, negar a realidade ou se manter numa posição de conservadorismo só faz mal ao meio quadrinístico.
Capa da edição com o casamento do
personagem Estrela Polar
É claro que não é a primeira vez que um personagem gay aparece nos quadrinhos mainstream. A Marvel mesmo acaba de anunciar o casamento do casal formado pelo membro dos X-Men Estrela Polar e seu namorado. Antes disso, a própria DC já possuía a Batwoman como uma mulher gay atuante em seu universo.
Os quadrinhos de super-heróis, nascidos das esperanças e do desespero de meninos perdidos da década de 1930, sempre foram moralizantes, quadrados e bastante caretas. Isso muda, relativamente, nos anos 1960, com o estilo espalhafatoso de Stan Lee e seus desajustados da Marvel: a família desconstruída do Quarteto Fantástico, o adolescente perdido do Homem-Aranha, o monstro desorientado do Hulk e os meninos e meninas que sofriam preconceito por suas diferenças dos X-Men.
Drogas, na capa de
Green Lantern/Green Arrow #85 (1971)
Mas ainda que esses temas estivessem lá, a discussão era muito mais velada do que efetivamente real. Houve um aprofundamento em temáticas mais reais que sempre é lembrado: a entrada da discussão sobre as drogas, justamente na revista do Lanterna Verde, que na época dividia o título com o Arqueiro Verde, fato ocorrido em 1971.
De lá para cá, muitas revistas tocaram, vez ou outra, em algo mais crítico da vida real, em alguma discussão mais profunda. Porém, na sua imensa maioria, foram tentativas isoladas e sem grande impacto. Mas essa recente onda de "outings" revela que criadores e departamentos de marketing das editoras se atentaram para o fato de que para continuar sendo relevantes para o público precisam ter empatia, ou seja, se colocar no lugar do espectador.
E esse espectador de hoje não é mais o mesmo do século passado. O mundo é outro e, mesmo que a fantasia seja a fundação sob a qual os quadrinhos são construídos, sem verossimilhança, narrativa contínua alguma consegue se manter.
Ou seja, ainda que de maneira capenga, colocando personagens secundários (Batwoman e Estrela Polar) ou por meio de subterfúgios (com um Lanterna de uma "Terra Paralela"), o fato é que os heróis estão saindo do armário. E entrando no mundo. Ao fazê-lo, continuam sua caminhada como uma das maiores referências da cultura pop contemporânea.
sexta-feira, junho 03, 2011
Homem-Aranha em vários tempos
A pesquisa relacionando Quadrinhos e seus saltos para outras mídias nunca pareceu tão boa. Depois do excelente Spider-Man - Shattered Dimensions aproxima-se o lançamento de Spider-Man: Edge of Time.
Homem-Aranha 2099
Pelas imagens do trailer divulgado na E3, a aventura promete. O roteiro do clássico autor de HQs Peter David, conhecido por seus trabalhos em Hulk, Supergirl e, o motivo de ser convocado para esse game, Spider-Man 2099.
A Beemox, que produz o game com a Activision, avisa que está criando um processo de interligação entre as diferentes linhas temporais nas quais o game se passa, no qual o que acontece em uma "fase" do jogo influenciará as demais, alterando a narrativa do jogo.
É interessante verificar o chamado para roteiristas de Quadrinhos para os games, como também acontece com Paul Dini com Batman. Ele é o autor da narrativa de Arkham City. Jogo que, aliás, terá a novidade de ter a Mulher-Gato como personagem controlável.
Mas isso é história para outro post... Por aqui, segue o trailer de Spider-Man: Edge of Time.
A seguir, apresento uma resenha do filme "Thor", feita sob novas premissas. Diferente do que fiz ao longo desses vários anos de existência deste blog, essa resenha contem elementos diferentes, mais analíticos e menos opinativos, do que muitas vezes fiz com outros filmes, revistas em quadrinhos, CDs, entre outras produções artísticas.
Faz parte do processo da minha pesquisa acadêmica, em andamento no programa de pós-graduação do TIDD da PUC-SP, na qual estudo as relações entre as Histórias em Quadrinhos de Super-Heróis e seu potencial como base de franquias transmídias.
Em breve (se tudo continuar no ritmo correto), devo criar um site específico para as questões acadêmicas e este e outros trabalhos migrarão para lá. Enquanto isso, continuarei utilizando este espaço.
Segue então minha visão sobre a chegada do Deus do Trovão à telona. Agradecimentos prévios ao velho amigo M. Cury por vários insights.
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Um deus de carne e osso
Demonstrando todo seu poderio criativo, a Marvel Studios apresenta ao cinema – e por consequência ao público geral, fora da comunidade de fãs – o personagem que, teoricamente, seria o mais difícil de fazer essa transição transmidiática: Thor, o Deus do Trovão.
Quais os motivos dessa dificuldade? Bem, Thor é um personagem ou, melhor dizendo, um mito (daqueles antigos, clássicos) nórdico. Que é retomado na década de 60 pelo mago dos quadrinhos Stan Lee para ser o Superman da Marvel. Mas o velho e bom Lee não é bobo e nem nada e o faz loiro, cabelos compridos ao vento, com um estilo de fala que soa estranha aos ouvidos da maioria. Ou seja, Thor não é nada mais nada menos do que um hippie (Estamos na década de 60, não se esqueça).
Superman hippie. Nada menos do que genial. Porque Superman pode ser qualquer coisa, mas nunca vai ser hippie. Nem liberal, em qualquer sentido. Mas enfim, voltemos ao tema nórdico. O ponto crucial na transposição de Thor ao cinema está no fato de que sim, ele é um deus. Como explicar isso para o pessoal puritano dos States? Ainda mais agora que a Marvel é da Disney... xiii... vai complicar.
Mas o filme dirigido por Kenneth Branagh resolve isso rapidamente, colocando Thor, Odin, Loki e todos mais como seres de outra dimensão, adorados pelo povo primitivo do passado dos países nórdicos como deuses. Dito isso, caminho aberto para seguir em frente e contar uma ótima história.
Atuações ótimas
"Thor" teve um budget que pode ser considerado médio, US$ 150 milhões. Comparando, o primeiro "Homem de Ferro" – que abriu as portas das telas grandes para a Marvel – custou R$ 140 milhões. Já o segundo "Homem de Ferro" teve orçamento de US$ 200 milhões.Qual o impacto desses números? Bem, em "Thor" o resultado está em efeitos especiais apenas razoáveis.
Fica bem evidente que o dinheiro foi focado nos atores. Anthony Hopkins faz Odin, deus supremo da mitológica Asgard. Natalie Portman faz a mocinha da fita, a Dra. Jane Foster (aliás, cabe aqui uma ressalva interessante. Nos gibis, Jane Foster era uma prosaica enfermeira. Aqui, foi alçada a Doutora em Astrofísica. Sinal dos tempos). O ótimo ator inglês Tom Hiddleston surpreende como Loki e sobra espaço até para a bela veterana Rene Russo, como a rainha e esposa de Odin, Frigga. O interessante é que o papel-título ficou com o jovem e relativamente desconhecido australiano Chris Hemsworth, que oferece a medida certa ao papel.
Todos os atores se encaixam bem aos personagens, destaque evidente para Hopkins, que dá o peso necessário ao All-Father Odin, mas sem, no entanto, ofuscar os demais atores e nem sobressair sobre o protagonista.
Desse mal se aproxima Tom Hiddleston com seu nefasto Loki, interpretado com interessante capacidade. Seus olhares e expressão corporal personificam o Deus da Trapaça em toda sua glória maligna e, quando em cena ao lado do Thor interpretado por Hemsworth, chegam a eclipsá-lo.
Porém, um olhar mais delicado sobre o filme demonstra uma intenção do diretor nisso. Thor representa a força da juventude, o poder imenso sem inteligência e tomado pela ingenuidade típica daqueles que não viveram ainda o suficiente para identificarem o que está além do que pode ser visto. Ele é um rei em formação, um processo em andamento, uma pedra sem lapidação.
Já Loki representa o cinismo e o conhecimento distorcido, a inteligência e a sagacidade aplicadas de maneira egoísta e mesquinha. Aqui não há ingenuidade, apenas a esperteza comum aos golpistas e um amadurecimento precoce, advindo da necessidade de subverter a ordem estabelecida.
Nesse sentido, a escolha dos atores acaba sendo ainda mais acertada. Hemsworth transparece essa vitalidade de jogador de futebol americano, enquanto Middleston se encaixa mais no perfil de frio e calculista jogador de pôquer.
Roteiro simples, mas bem amarrado
A premissa de "Thor" é bastante simples. O jovem e arrogante príncipe de Asgard, Thor,iludido por seu irmão invejoso, Loki, toma decisões erradas que complicam a vida de todo o reino. Seu pai, Odin, para ensinar um pouco de humildade ao futuro rei, tira seus poderes e o manda para Midgard, ou a popular Terra, como a chamamos. Aqui ele conhece a bela Jane e descobre o valor de se doar pelas pessoas.
Bem, as nuances shakespereanas não estão aí por acaso (pai, irmão traidor, etc.), senão a direção não seria de Branagh. O tom épico, grandiloquente, fez por outra dá as caras, mas isso ocorre de maneira natural, o que admira, pois a possibilidade de virar uma coleção de canastrices era enorme. Ponto para a escolha acertada dos atores.
A simplicidade do roteiro é um bom caminho para apresentar Thor à massa. Fugiu-se assim de tentar encaixar alguma aventura das HQs na película e foi possível alcançar um dos grandes méritos do filme: o de gerar empatia no público, por meio da humanização dos personagens.
Nos quadrinhos, as melhores aventuras de Thor sempre envolvem outros deuses, passeios pelos reinos dominados por Hela ou Surtur (equivalentes a algum tipo de inferno) e combates de grandeza extrema – que são totalmente plausíveis nas HQs, mas cuja transposição de forma mais completa para o cinema exigiria tempo, dinheiro e roteiro que não se enquadram no meio.
Para a comunidade de fãs, fica o prazer de ver retratado de forma bastante fiel os Warriors Three (Hogun, Fandral e Volstagg), Heimdall e Lady Sif, apesar de o comportamento politicamente correto dominante em Hollywood ter transformado Hogun em oriental e Heimdall em negro. Pois, lembremos, eles eram mitos nórdicos... todo mundo era loiro de olho azul ali. São detalhes que costumam incomodar os fãs, mas a estrutura da narrativa foi tão cuidadosa, que não soou como desrespeito ou descaso – o que mais incomoda aos aficionados.
No geral, "Thor" pode ser considerada uma boa adaptação de quadrinhos. Não é ótima como o primeiro "Homem de Ferro" e nem espetacular como os dois "Batman" recentes. Mas é bastante precisa, honesta tanto com o público geral quanto com os fãs, e se integra de uma forma natural e nem um pouco forçada com o universo criado pela Marvel no cinema.
Mesmo com os efeitos especiais um tanto quanto simples, "Thor" é uma daquelas aventuras divertidas e que agradam todas as idades, como todo bom blockbuster deve ser. E, mais ainda, como deve ser um filme vindo dos quadrinhos de super-heróis (esses mitos modernos). Maniqueísmo, grandiosidade, ensinamentos morais, amor (claro que esse elemento também estaria presente) e uma dose de humor. Tudo misturado e embrulhado num belo pacote de ação, capas, espadas e, claro, martelo.
sexta-feira, outubro 24, 2008
Flick geek
O maior clássico das histórias em quadrinhos, Watchmen, está virando filme. É a grande aposta dos estúdios Warner para tentar fincar o pé de maneira mais forte num mercado que está, cada vez mais, dominado pela Marvel – que além de publicar HQs, também está produzindo filmes. A Warner é somente dona da DC.
Enquanto a Mavel já fez, “em casa”, filmes como o honesto Incrível Hulk e o sensacional Homem de Ferro, a Warner alterna altos e baixos como o (baíxíssimo) Mulher-Gato e (a maravilha) O Cavaleiro das Trevas.
E é a história de ser dona que muda toda a relação. A Marvel já está interligando todos os filmes e criando algo comum nos quadrinhos: um universo. O conceito de universo tem como premissa que todos os personagens convivem no mesmo tempo/espaço. Ou seja: se o Hulk, por exemplo, destruir Nova York, o Homem de Ferro pode ficar sem seu escritório na Stark Tower.
Isso está criando uma expectativa enorme não só nos fãs das revistas, mas em todos que gostam de bons filmes. Exemplo: como bem disse o pessoal do Omelete, tem mais gente preocupada em ver um suposto Capitão América congelado numa cena cortada do filme e agora extra do DVD, do que efetivamente com a aventura do monstro esmeralda.
Voltando a falar de Watchmen, tudo que apareceu até agora demonstra que o filme vai ser bombástico. A Graphic Novel teve – e ainda tem – o poder de atrair quem é de fora do “mundinho” das HQs. Mas tenho dúvidas se o filme causará o mesmo efeito.
Como eles seguiram muito fielmente a obra original, o filme se passará na década de 80. Realmente tenho dúvidas se a maior fatia do público atual (adolescentes e recém-entrados na casa dos 20) vai conseguir se ligar do que era o clima tenso da Guerra Fria.
Professor, empresário, pesquisador do TIDD-PUCSP. Apaixonado por Quadrinhos de Super-Heróis, Cultura Pop em geral e pela complexidade intrínseca a todas as coisas simples da vida.